Falar sobre testamento é falar sobre cuidado com a família, serenidade e planejamento. Muita gente adia esse tema por desconforto, por achar “coisa de rico” ou por medo de conflitos. Mas é justamente o testamento que pode evitar brigas entre herdeiros, reduzir custos do inventário e garantir que seus desejos — patrimoniais e pessoais — sejam respeitados.
Dúvidas comuns aparecem logo de início: posso deixar tudo para quem eu quiser? Preciso de cartório? O testamento é secreto? Quais são os tipos e qual o mais indicado para o meu caso? Este artigo foi preparado para te explicar, de forma simples e objetiva, como funcionam os tipos de testamento no Brasil e como escolher o mais adequado ao seu patrimônio, à sua família e aos seus objetivos.
Explicação conceitual e legal
O que é um testamento
O testamento é um instrumento jurídico pelo qual uma pessoa manifesta suas vontades para depois da morte. É um ato pessoal, revogável e que pode disciplinar tanto questões patrimoniais (distribuição de bens) quanto não patrimoniais (por exemplo, reconhecimento de paternidade, nomeação de tutor, disposições sobre funeral). No Código Civil, o tema está regulamentado principalmente entre os arts. 1.857 e 1.990.
- Quem pode testar: em regra, podem testar os maiores de 16 anos (art. 1.860, Código Civil).
- Ato personalíssimo: não admite representação ou procuração; o testador precisa manifestar sua vontade.
- Revogabilidade: o testamento pode ser alterado ou revogado a qualquer tempo enquanto o testador for capaz (caráter revogável do testamento; vide art. 1.858, CC, e correlatos).
Limites: herdeiros necessários e legítima
Ainda que o testamento seja amplo, há limites. A lei protege a “legítima” dos herdeiros necessários.
- Herdeiros necessários: descendentes (filhos, netos), ascendentes (pais, avós) e cônjuge (art. 1.845, CC).
- Legítima: metade do patrimônio do falecido pertence, de pleno direito, aos herdeiros necessários (art. 1.846, CC).
- Parte disponível: somente a outra metade (50%) pode ser livremente atribuída via testamento a quem o testador quiser — inclusive a pessoas fora da família, instituições, amigos etc.
Isso significa que, havendo herdeiros necessários, você não pode dispor por testamento da legítima deles, mas pode gerenciar a parte disponível e, inclusive, impor cláusulas sobre o que for distribuído.
Cláusulas protetivas e outras disposições relevantes
- Cláusulas de incomunicabilidade, inalienabilidade e impenhorabilidade: podem ser impostas em testamento por justa causa (art. 1.848, CC). A inalienabilidade implica, como regra, impenhorabilidade e incomunicabilidade.
- Nomeação de testamenteiro: pessoa indicada para cumprir as disposições testamentárias (facilita o cumprimento e dá agilidade).
- Deserdação: só é válida quando baseada nas causas legais e nos termos do Código Civil (arts. 1.962 e 1.963).
- Codicilo: forma simples para disposições de pequeno valor ou de ordem pessoal (funeral, sufrágios, esmolas, móveis de uso pessoal), sem substituir o testamento para partilha de bens relevantes (arts. 1.881 a 1.885, CC).
- Testamento vital (diretivas antecipadas de vontade): não é testamento sucessório; trata de preferências em tratamentos de saúde quando o paciente não puder se manifestar. Tem base ética e médica (Resolução CFM nº 1.995/2012), não substitui o testamento civil patrimonial.
Tipos de testamento no Brasil
A legislação brasileira prevê duas grandes categorias: testamentos ordinários e especiais.
- Testamentos ordinários (arts. 1.864 a 1.880, CC)
- Testamento público
• Lavrado em cartório de notas pelo tabelião, ditado pelo testador (ou por alguém a seu rogo) na presença de duas testemunhas.
• Lido em voz alta, assinado pelo testador, testemunhas e tabelião.
• Fica registrado em livro próprio, com fé pública.
• É o mais seguro sob o ponto de vista formal e o mais indicado para pessoas com necessidades especiais (por exemplo, pessoas cegas somente podem testar de forma pública).
• Desvantagem: menor sigilo, pois existe registro em cartório (embora o teor não seja público em vida do testador). - Testamento cerrado
• Também chamado de “secreto”. É escrito pelo próprio testador (ou por alguém a seu rogo) e assinado por ele.
• É apresentado ao tabelião, na presença de duas testemunhas, para aprovação; o tabelião lavra o auto de aprovação e o “cerra” (fecha) o documento.
• O conteúdo permanece sigiloso até o falecimento.
• Não pode ser utilizado por cegos, pois a pessoa precisa ter lido e conferido o que assinou.
• Pode ser perdido ou danificado se não for bem guardado. - Testamento particular
• Escrito e assinado pelo testador e lido perante três testemunhas, que também assinam.
• Após o falecimento, precisa ser confirmado judicialmente (as testemunhas serão ouvidas).
• É o mais simples e barato, porém o mais sujeito a impugnações (perda do original, falecimento de testemunhas, vícios de forma).
- Testamentos especiais (situações excepcionais, como viagem ou guerra)
- Testamento marítimo
• Feito a bordo de navios, perante o comandante e duas testemunhas, quando a pessoa está em viagem e não consegue recorrer a cartório em terra.
• Deve ser entregue à autoridade quando do desembarque, seguindo procedimentos para conservação e posterior cumprimento.
• É uma solução de contingência. - Testamento aeronáutico
• Semelhante ao marítimo, mas realizado em aeronaves durante o voo, perante o comandante e testemunhas.
• Também segue regras específicas para registro e entrega. - Testamento militar
• Destinado a militares ou pessoas a serviço das Forças Armadas em campanha, ou em localidades onde não seja possível cumprir as formalidades ordinárias.
• Pode admitir formas mais flexíveis, dada a urgência, mas está sujeito a prazos de caducidade e confirmação quando cessarem as circunstâncias excepcionais.
Esses testamentos especiais são úteis em contextos de urgência, improviso e risco, mas, sempre que possível, recomenda-se formalizar depois um testamento ordinário, pela maior segurança jurídica.
Exemplos práticos ou hipotéticos
- Caso João: João, 62 anos, tem dois filhos do primeiro casamento e vive em união estável com Ana. Ele deseja garantir um imóvel para Ana, mas não quer prejudicar os filhos. Por lei, os filhos são herdeiros necessários e têm direito à legítima (50%). João pode, por testamento, destinar a parte disponível (os outros 50%) para Ana, instituindo um legado do apartamento onde vivem, com cláusula de usufruto vitalício para ela e eventual incomunicabilidade. Ao optar pelo testamento público, João assegura máxima formalidade e reduz riscos de impugnação, além de permitir uma leitura clara das cláusulas protetivas (art. 1.848, CC).
- Caso Maria: Maria, 78 anos, viúva, cega, e com patrimônio moderado. Deseja dividir sua parte disponível entre um neto e uma instituição filantrópica. Como é cega, precisa utilizar o testamento público (o testamento cerrado não é admitido para pessoas cegas). Ela também quer nomear um testamenteiro para facilitar o cumprimento das disposições. O tabelião lavra o ato perante duas testemunhas, lê em voz alta, e todos assinam. Segurança máxima e baixa chance de contestação.
- Caso Pedro: Pedro, 45 anos, empresário em constante viagem, quer fazer um testamento rápido para favorecer sua irmã com um bem específico, respeitada a legítima dos filhos. Ele escreve um testamento particular, lê na presença de três testemunhas idôneas e todos assinam. É simples e econômico. O risco: se uma testemunha falecer, não for localizada ou houver dúvidas sobre a leitura e a assinatura, a confirmação judicial pode demorar ou até ser indeferida. É uma solução possível, mas menos segura que o público.
- Caso Ana na aeronave: Ana, pesquisadora, em voo internacional, enfrenta uma situação emergencial de saúde e quer manifestar disposições de última vontade. Realiza um testamento aeronáutico perante o comandante e duas testemunhas. Pela natureza excepcional, ao desembarcar, o documento precisará seguir as formalidades de entrega à autoridade competente. Posteriormente, recomenda-se consolidar essas vontades em um testamento ordinário.
Quadro comparativo dos tipos de testamento
| Tipo | Como funciona | Prós e Contras |
|---|---|---|
| Público | Lavrado em cartório pelo tabelião, ditado pelo testador, com duas testemunhas; leitura em voz alta e registro | Prós: maior segurança e formalidade; adequado para cegos; difícil de impugnar. Contras: menor sigilo; custo cartorário |
| Cerrado | Escrito e assinado pelo testador; aprovado e “cerrado” pelo tabelião com duas testemunhas; conteúdo fica secreto | Prós: sigilo do conteúdo; boa formalidade. Contras: não serve para cegos; risco de perda/dano do original |
| Particular | Escrito e assinado pelo testador; lido perante três testemunhas que também assinam; precisa de confirmação judicial após a morte | Prós: simples e econômico; rápido. Contras: maior risco de impugnação; depende das testemunhas e do original |
| Marítimo | Feito a bordo, perante o comandante e testemunhas; segue procedimentos de entrega à autoridade | Prós: útil em viagens sem acesso a cartório. Contras: caráter excepcional; recomenda-se posterior formalização |
| Aeronáutico | Feito em voo, perante o comandante e testemunhas; exige registro e entrega após o pouso | Prós: solução emergencial. Contras: excepcionalidade e necessidade de regularização posterior |
| Militar | Para militares/assemelhados em campanha ou impossibilidade; admite formalidades reduzidas | Prós: viabiliza a última vontade em contexto de guerra. Contras: caducidade/prazos e necessidade de confirmação |
Qual o mais indicado?
A resposta depende do seu objetivo, do contexto familiar e do nível de segurança desejado:
- Máxima segurança, patrimônio relevante, cláusulas complexas ou testador com necessidades especiais (ex.: cegueira): testamento público.
- Sigilo do conteúdo, desde que o testador possa ler e assinar, e esteja disposto a guardar bem o documento: testamento cerrado.
- Rapidez e economia, patrimônio simples e disposição clara, ciente do risco maior de impugnação e da necessidade de confirmação judicial: testamento particular.
- Situações de emergência em viagens ou em contexto militar: testamentos especiais (marítimo, aeronáutico, militar), como solução provisória.
Em muitos casos, o testamento público é a escolha mais recomendável pela robustez formal, prevenção de nulidades e menor probabilidade de litígios. O cerrado tem um bom equilíbrio entre segurança e sigilo, desde que o testador cuide do original. O particular é útil, mas exige atenção redobrada à forma e às testemunhas.
Dicas práticas e orientações preventivas
- Planeje com antecedência
- Faça um “raio-x” patrimonial: imóveis, contas, investimentos, quotas societárias, veículos, obras de arte, dívidas, seguros.
- Identifique quem são seus herdeiros necessários (art. 1.845, CC) e dimensione a legítima (art. 1.846, CC). Isso evita disposições que seriam invalidadas.
- Escreva com clareza
- Indique bens com precisão (matrícula, localização, percentuais).
- Evite ambiguidades que gerem disputas. Se necessário, nomeie substitutos (ex.: “se o legatário X predecer o testador, o bem vai para Y”).
- Considere nomear testamenteiro para facilitar o cumprimento.
- Use cláusulas protetivas quando fizer sentido
- Incomunicabilidade, inalienabilidade e impenhorabilidade (art. 1.848, CC) podem proteger um herdeiro vulnerável ou evitar que o patrimônio vá parar em disputa conjugal.
- Justifique a cláusula de inalienabilidade de forma objetiva (por exemplo: preservar patrimônio de filho com histórico de endividamento).
- Atenção ao sigilo e à guarda do documento
- Testamento público: embora haja registro, o teor não é divulgado em vida do testador.
- Testamento cerrado: guarde em local seguro e informe uma pessoa de confiança sobre sua existência e local.
- Testamento particular: guarde o original e mantenha contatos atualizados das três testemunhas.
- Revise periodicamente
- Mudanças familiares (casamento, divórcio, nascimento de filhos, falecimento de herdeiros) ou patrimoniais (compra/venda de imóveis) podem exigir revisão do testamento.
- Revogação é sempre possível enquanto o testador é capaz; manter o documento atualizado evita contradições.
- Integre o testamento ao seu planejamento sucessório
- Combine com doações em vida com reserva de usufruto, seguro de vida, previdência privada, holdings familiares ou acordos societários.
- O testamento não substitui todos os instrumentos, mas dá coesão ao seu planejamento.
- Cuidados formais são essenciais
- Testamento público: duas testemunhas idôneas; conferência de identidade; leitura em voz alta e assinaturas.
- Testamento cerrado: o testador precisa ler e assinar; aprovação em cartório com duas testemunhas.
- Testamento particular: três testemunhas alfabetizadas que presenciem a leitura e assinem; evite testemunhas interessadas.
- Não confunda testamento civil com testamento vital
- O testamento civil trata de sucessão; o testamento vital refere-se a preferências em saúde (Resolução CFM nº 1.995/2012). São instrumentos distintos e complementares.
- Codicilo para questões simples e pessoais
- Para disposições de pequeno valor ou de ordem pessoal (funeral, esmolas, objetos de uso), o codicilo pode ser suficiente. Para partilha de bens relevantes e cláusulas complexas, utilize testamento.
- Documente sua capacidade
- Em casos de idade avançada ou doenças, é prudente obter relatórios médicos atestando capacidade no momento da feitura do testamento. Isso previne alegações futuras de incapacidade.
Quando procurar um advogado
- Quando houver herdeiros necessários e você quiser estruturar a parte disponível sem violar a legítima.
- Para redigir cláusulas restritivas (incomunicabilidade, inalienabilidade, impenhorabilidade) com justa causa e dentro dos limites legais (art. 1.848, CC).
- Para casos com filhos de diferentes relações, união estável, casamentos com regimes de bens variados, companheiros(as) e herdeiros vulneráveis.
- Ao pretender reconhecer paternidade, nomear tutor, ou tratar de questões extrapatrimoniais sensíveis.
- Quando há patrimônio significativo, quotas societárias, imóveis em diferentes estados/países ou estruturas empresariais (necessidade de integração com planejamento societário e tributário).
- Para revisar testamentos antigos e adequá-los à legislação vigente ou a mudanças familiares.
- Em qualquer suspeita de conflito futuro entre herdeiros ou risco de impugnação.
- Para confirmar judicialmente testamento particular após o falecimento ou abrir e cumprir testamento cerrado.
Conclusão
Planejar a sucessão é um gesto de responsabilidade e cuidado. O testamento permite que você dê destino claro à parte disponível do seu patrimônio, proteja pessoas queridas com cláusulas adequadas e evite conflitos. Entre os tipos — público, cerrado, particular e os especiais (marítimo, aeronáutico, militar) — a melhor escolha depende do seu objetivo, do perfil da família, do grau de sigilo desejado e do nível de segurança necessário.
Em regra, o testamento público se destaca pela robustez formal e baixa contestação. O cerrado equilibra sigilo e formalidade, e o particular é útil quando bem feito e guardado, ciente de seus riscos. A decisão fica ainda melhor quando acompanhada de um planejamento sucessório mais amplo, com revisões periódicas e orientação jurídica especializada.
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